Debates trataram da relação entre Psicologia e Justiça
No último sábado, 23 de junho, o Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro realizou, em Campos dos Goytacazes, no norte do estado, um evento preparatório para a Mostra Regional de Práticas em Psicologia, que acontece entre os dias 9 e 11 de julho, no Rio de Janeiro. O evento Psicologia e Justiça: Construção de outros processos reuniu profissionais e estudantes, que debateram as práticas e desafios dos psicólogos que atuam no ambiente jurídico.

A primeira mesa do dia, Práticas de Ensino: Criminologia na Universidade, apresentou as propostas políticas da disciplina de Criminologia, ministrada no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pelo professor Pedro Paulo Bicalho (CRP-05/26077). Pedro Paulo, que é também conselheiro do CRP-RJ, apresentou a linha de pesquisa e as atividades do curso, ressaltando que as práticas entre Psicologia e Justiça ainda são pouco trabalhadas nas universidades.
De acordo com Pedro, é preciso problematizar políticas públicas e subjetividades que, muitas vezes, ainda estão baseados em pensamentos que
remontam às literaturas de autores positivistas do século XIX: “Os estudos de antropometria de Lombroso [Cesare Lombroso, 1835-1909, criminologista italiano] e Ferri [Enrico Ferri, 1856-1929, criminologista italiano] tiveram influência sobre a Psicologia no âmbito jurídico. Para o primeiro, a criminalidade era explicada por fatores biológicos. Já para Ferri, a pessoa é criminosa porque foi influenciada pelo meio. São abordagens que, embora antagônicas, são igualmente positivistas por reduzirem a complexidade da discussão criminológica a explicações causa-efeito” , explicou Pedro Paulo.

O evento reuniu profissionais e estudantes que debateram as práticas e desafios dos psicólogos que atuam no ambiente jurídico.
Alguns dos presentes destacaram que, em diversas instituições, as avaliações de comportamentos de jovens que cometem delitos são explicadas de maneira simplista, sem levar em conta a complexidade da vida cotidiana dos jovens. Jefferson Reishoffer, estudante de Psicologia da UFRJ é monitor da disciplina Criminologia. Ele afirma que o comportamento criminoso é reduzido a relações de causa e efeito: “Os psicólogos têm sido coniventes com este pensamento. Por que não pensar em uma lógica de relações, e não em uma relação de causa e efeito? É preciso pensar as questões num contexto sócio-histórico, a partir das concepções arqueológica e genealógica do pensamento foucaultiano, colocando em questão a problemática da produção de subjetividades”, disse Jefferson.
Segundo a psicóloga Vanda Vasconcelos Moreira (CRP-05/6065), do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (DEGASE), “existem muitos profissionais que tentam implementar uma ética pautada pelos Direitos Humanos, mas há muitas pessoas que acreditam que o adolescente tem uma natureza ruim”. Vanda atua no Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor (CRIAM) – Unidade Nilópolis, uma das unidades de semiliberdade do DEGASE. Ela participou da mesa Psicologia em Prática: Sistemas de Privação de Liberdade, ao lado de Heloneida Ferreira Néri (CRP 05/8076), psicóloga da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP).
Heloneida explicou a rotina dos internos em unidades prisionais do Rio de Janeiro. Ela afirma que o psicólogo é geralmente bem recebido nas unidades de internação e que o trabalho passa por alguns obstáculos: “No geral, a gente consegue ter um ambiente bem tranqüilo, pois eles sabem que estamos ali para ajudá-los. Não há uma receita de como trabalhar no sistema penitenciário, é um trabalho que exige um fazer diário, por parte do psicólogo”, disse ela.
Vanda também afirmou que o trabalho no DEGASE consiste em um desafio para o psicólogo: “É importante termos alianças: com o Conselho Tutelar, com o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, com os psicólogos que trabalham nos juizados, com os conselheiros do CRP-RJ. Muitas vezes, precisamos de informações rápidas, e essa rede facilita o trabalho do psicólogo”, afirmou. Ainda falando sobre os desafios no trabalho, Heloneida disse que, no sistema penitenciário, não há privacidade para o trabalho dos psicólogos: “Nós temos que dividir espaço com outros profissionais. Quem solicita isolamento, às vezes, recebe a acusação de ser ‘babá de bandido’”, disse ela.
A última mesa do evento em Campos, intitulada A Prática do Psicólogo: Tribunal de Justiça e Segurança Pública teve como palestrantes Eliana Olinda Alves (CRP 05/24612), psicóloga da Vara da Infância, Juventude e Idoso da Comarca de Rio Bonito – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Isabela Faria Nogueira (CRP 05/12938), capitão psicóloga do 8º Batalhão da Polícia Militar.
“Na relação com a Justiça nós temos uma Psicologia que tem reproduzido práticas discriminatórias, excludentes e que, cada vez mais, tem produzido categorias de indivíduos dentro da Justiça”, disse Eliana. Segundo ela, a Justiça vai se distanciando cada vez mais de um projeto coletivo para uma psicologia intimista e privatista: “Isso a gente vê claramente, quando percebemos os serviços de uma defensoria pública e os de um advogado particular”, destacou.
Eliana também falou que outra problemática na relação entre Psicologia e Justiça é a questão do especialismo: “Quando perguntam se eu sou psicóloga jurídica, eu respondo: ‘não, eu sou psicóloga’”.
Isabela falou sobre seu trabalho na Polícia Militar. Ela afirmou que, ao contrário do que se costuma acreditar, há uma demanda muito grande de tratamento, entre policiais: “No trabalho, atendo muitas pessoas que têm problemas nas relações com o outro, dentro de hierarquias. Muitos relatam que têm medo do trabalho, porque mesmo quando acreditam que estão agindo corretamente, podem ter atitudes interpretadas como erradas”. A psicóloga também ressaltou que há uma necessidade, entre os policiais, de se mostrarem como pessoas comuns: “A farda iguala todos: quando um erra, todos são vistos como errados. Há necessidade [entre os pacientes] de mostrar singularidade”, disse ela.
As palestras e debates promovidos com o público, em Campos de Goytacazes, tiveram como objetivo maior divulgar a Mostra, iniciando discussões sobre novos temas da Psicologia que podem e devem ser retomadas no evento de julho. Além disso, outro objetivo do Conselho foi se aproximar cada vez mais dos psicólogos do interior do estado, levando até eles, mais uma vez, a oportunidade de participar de discussões importantes para a profissão.
A Mostra Regional de Práticas em Psicologia acontece entre os dias 9 e 11 de julho. Clique aqui para acessar a página da Mostra. As inscrições estão abertas até o dia 29 deste mês.